A ARTE ENSINADA DE MANEIRA ERRADA NAS ESCOLAS


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epois de mais de trinta anos lidando com o ensino de desenho e Arte em várias escolas além de ensaios teóricos sobre o conteúdo e a disciplina constato que as aulas que comumente são ministradas e impostas pelos currículos e programas impingidos às escolas tanto através dos terríveis livros "didáticos" como pela prática dos professores é exatamente o tipo de aula que eu como aluno desejaria não ter. Pela inutilidade e pelo erro epistemológico em si.

Basta observarmos outros países, objetivamente os de "primeiro mundo" e mesmo países de histórico socialistas como a Rússia e ex-satélites da extinta URSS. A China comunista por exemplo tem hoje mais de trinta milhões de crianças e adolescentes, sem contar o público adulto, amante da chamada música clássica enquanto aqui a maioria de "projetos musicais" compra tambores para alunos adolescentes problemáticos como se estes tambores e estas musicalização fosse uma solução para os seus prolemas de interação e integração normal no ambiente escolar.

Se eu me lembro de alguma questão relacionada ao concurso público que fiz para dar aulas de Artes esta questão foi "é recomendável improvisar nas aulas de Artes"? obviamente a resposta exigida pelo empregador, no caso a Prefeitura de Belo Horizonte, era "não é recomendável! Mas o que se faz na prática e agora com a autoridade do programa ou currículo é exatamente trazer atividades mais agradáveis e socialmente aceitas pelo público jovem, criança ou adolescente, e não dar instrução real, efetivamente útil, modificadora a exemplo de outros países. 

O que fazer?

A matéria "Arte" possui uma especificidade importante: ao contrário de outras matérias e conteúdos em que há uma aparente unanimidade do que os professores de mesmo conteúdo ministram, ensinam, cada professor de Artes, até por terem formação e graduação distintas ( Desenho e Plástica como eu, outros Dança, Teatro ou Música ) podem e têm opiniões e visões diferentes sobre os mesmos objetos de ensino. Posto desta forma cada um pode ensinar legitimamente coisas diferentes sobre exatamente as mesmas coisas e sem estarem objetivamente "errados". Obviamente os resultados serão finalmente diferentes!

Isto posto, cada professor fara a melhor ou a pior opção, e o resultado real se dará anos depois quando cada aluno, cada estudante, manifestará na vida uma relação com a arte no mundo real, ou de maneira ignorada ( a mais frequente ), superficial, ou mesmo até interessada e profissional mas neste caso provavelmente pouco guardará das aulas "de arte" do ensino fundamental ou mesmo médio.

O que seria ideal?

O ideal, a exemplo de outros países, em se dar a base geral para que a Arte ou as Artes sejam compreendidas  como exatamente deva ser  e ser exercida de acordo com a tendência e aptidão pessoal de cada um e que no geral seja uma linguagem de mais fácil compreensão de todos já que a Arte como linguagem produz que sejamos imersos em suas várias expressões e discursos de forma que praticamente não possamos viver alienados dela.

A opção e o direcionamento de como a Arte produzida nos afeta no dia a dia e a compreensão efetiva de que não há uma divisão nem um distanciamento entre a Arte produzida e teorizada e a Arte consumida por todos nós no nosso dia a dia. Afinal é impossível escapar daquilo que é expresso em termos de cosmovisão pela Arte e pelos seus artistas, transmitindo compulsoriamente CRENÇAS, IDEIAS, VALORES e claro como resultado absoluto: COMPORTAMENTOS.

Comportamentos e valores, ideias e crenças que afetam muitas vezes definitivamente toda a vida de uma pessoa, permeando sua juventude e até toda a sua fase adulta e muitas vezes sem nenhuma revisão. Uma pessoa pode mudar de religião, de crença religiosa, de gosto ( por uma bebida em detrimento de outra ), de um consumo ( carne por vegetais ), de crente para ateu ou vice-versa, mas dificilmente de "gosto musical " por exemplo. 

Uma pessoa pode sair da pobreza e chegar a ser muito rica mas nunca perceber a diferença ou a sutileza de uma beleza arquitetônica, pictórica, etc. Claro comprará uma casa moderna, usará roupas caras e da moda e terá quadros valiosos em seus cômodos mas nunca os entenderá! é como a Xuxa ter um piano de cauda branco em sua sala. Ela não o toca e não o aprecia de fato ( e ela o tinha em sua casa ).

A pergunta que se faz é se vale a pena estudar, saber, compreender realmente a Arte ou as Artes. Em que medida exata e objetivamente esta compreensão ideal nos torna de fato e não apenas artificialmente "melhores".

Bem, se a Arte ou as Artes não são uma substância uniforme, os resultados tanto de seu ensino ou aprendizagem, talvez melhor: apreensão, sejam também diferentes e com diferentes e não controláveis resultados o que podemos fazer?

A cada ação corresponderá um resultado. Há várias escolas ou tendências na formação de um pianista  concertista. Todos têm a mesma base e apresentam auto grau de virtuosismo mas entre os professores  e tutores destes excelentes pianistas há diferenças e críticas mútuas sendo visto como "defeitos" por uns e outros. Deste modo cada professor e cada aluno deve assumir corajosamente aquilo que na prática resolveu se alinhar. Objetivamente o "certo e o errado", o melhor e o mais desejável, será objetivamente um resultado diferente. A história e o tempo fará um prevalecer sobre o outro, como aliás sempre aconteceu. Finalmente o resultado histórico naquela cultura, população, novas gerações será diferente e com melhores implicações ou não.



A Arte como é "ensinada" produz um contingente absurdo de convencidos irresponsáveis que foram convencidos que o simples fazer algo esdrúxulo é suficiente para ser nomeado, reconhecido e ouvido sobre qualquer assunto com validade de especialista e "artista".

Artistas atuais e já de algum tempo se comportam como cavalos xucros em meio a gôndolas e prateleiras repletas de cristais. Opinam, fazem performances, irresponsavelmente produzindo ideias e comportamentos desastrosos que permanecem no inconsciente coletivo produzindo danos inconsequentemente.

Sob a panfletagem de "moderno", de "contemporâneo" justifica-se uma produção inútil, tosca, idiotizada e que impõe ao público uma admiração artificial imposta pela crítica midiática, grande e profícua criadora de personagens e artistas de qualidade crassa duvidosa.

Isto não é uma culpa ou um produto da Arte em si nem um modo inovador e revolucionário de "ensinar Arte" já que a Arte verdadeira, ensinada com qualidade é tão bem ensinada no próprio capitalismo como em países de opção socialista. Vemos em momentos de interrupção de bombardeios na Ucrânia, músicos e corais ucranianos  tocarem peças clássicas  ou entoarem hinos e canções  eruditas ou próximas disso. Também a China e a Rússia despontam como berços de jovens e talentosos músicos eruditos, em todos estes países a qualidade musical é preservada e repassada as novas gerações. O mesmo acontece com a pintura, seja a pintura a óleo, à têmpera, aquarela ou mesmo o desenho e pintura tanto de retratos como de paisagens. Na Índia uma geração de ótimos aquarelistas, tecnicamente de qualidade e jovens despontam. A pergunta é: por que só no Ocidente, nas Américas particularmente a título de falsa e artificial modernidade ou contemporaneidade se impõe uma arte de qualidade altamente duvidosa.



Qual a solução para nossas escolas, para nosso ensino de Arte, para os nossos professores?

Constatar criticamente que algo não está bem e que está errado, tanto objetivamente como teoria como prática e escolher uma rebelião boa, retomando a exemplo de muitos países com a Arte que tem como base justamente a aquisição feita por séculos e séculos e que só em cima do que foi desenvolvido e sem rupturas aleatórias, a exemplo da Ciência, possamos construir sempre algo que seja resultado de aquisições importantes sobre aquisições importantes e não ao contrário.

Uma escola reprodutora é a que reproduz acriticamente decaindo em qualidade e produção. Um artista não muda o mundo, registra o que acontece no mundo mas neste registro não pode, não deve promover uma queda, um desgaste, um empobrecimento de qualquer produção cultural. Entretanto temos que reconhecer que a estrutura e decisões superiores erráticas são hoje um grande impedimento a que este estado de coisas mudem pois está cristalizado justamente nestas instâncias uma visão ocidental errada da Arte. Talvez uma grande insatisfação ou uma competição saudável humilhando a produção ocidental faça esta mudança radical e revolucionária.

Que relevância tem o ensino desejável da Arte e o desenvolvimento de determinado povo?

Algo observável e mensurável é exatamente  a relação entre o desenvolvimento artístico e o desenvolvimento tecnológico. Desde o antigo Egito e antes, as realizações tecnológicas resultam ou pelo menos implicam em um desenvolvimento de uma linguagem artística complexa em que não real é tornado real ou simbolizado artisticamente, seja um conjunto de crenças que se torna simbolicamente visível e organizadamente compreensível artisticamente até novas invenções vislumbradas como soluções de problemas reais e necessidades práticas.

Logo sob este estrito aspecto, um desenvolvimento artístico adequado, desejável, objetivamente positivo deve ser não só incentivado como implementado socialmente e que o contrário trará as novas gerações um impacto terrivelmente negativo. Países como a China atual que saltou a etapa capitalista primitiva saindo praticamente do feudalismo, após a queima dos livros, repressão a todo conhecimento ocidental na chamada revolução cultural e o retorno ao melhor ensino burguês copiado da européia França, fazem hoje da China atual um berço de música erudita, pintura clássica, desenho realista de forma a ofuscar artistas, músicos de berço totalmente ocidental. O mesmo acontece com pessoas de países como a Rússia, Ucrânia e vários dos países antes pertencentes ou sob o domínio da antiga URSS. Por que no Brasil seria bem sucedido indo numa direção oposta?

Uma "arte" depressiva, pouco ou nada profunda, rasa ideologicamente, atendendo mais a interesses  e a doxa, opinião, do que concretamente a algo mais científico no melhor sentido da palavra ocupa as ruas, literalmente "enfeia" as cidades e representa o pior do sentimento de vazio e falta de perspectiva reais implantada em uma juventude cada vez mais perdida e fútil. 

Sob o rótulo simplório de "artista" qualquer um é elevado a se pronunciar sem conhecimento de causa real sobre qualquer assunto emblemático ou mesmo pueril e sua voz desautorizada pela verdade é acatada como a mais decisória das manifestações.

Algo ainda que explica a decadência perceptível da Arte na atualidade é a proclamação que todas as mudanças ocorridas no pós guerra como o surgimento da Arte pós moderna é tida automática e imediatamente como ganho, talvez movida pela crença inconsciente de que haja um evolucionismo determinista e que toda mudança conduz implicitamente em uma melhora geral da humanidade, seja na sua forma de pensar como em toda produção cultural, o que estatisticamente é algo longe de ser verdade e totalmente improvável. Houve e há lenta ou renovadamente um desenvolvimento técnico, fazemos melhor e bem muitas coisas mas quase sempre retomando ideias e criações ocorridas até muito mais antigamente.

Entre vários exemplos temos por exemplo a surpresa da descoberta que no Antigo Egito já havia mulheres empreendedoras, divórcio por parte das mulheres, escola integral e educação familiar. Muitos são exemplos reais de que o sentimento, o senso comum dizendo que há uma evolução natural e sempre crescente a partir das menores e maiores transformações sociais não é a inteira verdade. Nem sempre e em bos parte das vezes uma melhora natural em áreas humanas que não seja tecnologia não é algo definitivo. Prova disso é que boa parte das relações humanas e valores segundo muitas críticas honestas estão em franca decadência.

Se ao contrário houver um progresso, sofisticação e maior riqueza temática sem dúvida redundar´a em real progresso em outras áreas do saber humano. E é exatamente isso que ocorreu em culturas onde as artes avançaram numa sofisticação que resultou em fantásticos outros desenvolvimentos tecnológicos.

Definitivamente um bom ensino e um bom aprendizado de Arte resultam em um desenvolvimento em todas as demais áreas.


Por Helvécio S. Pereira

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